Intervenção de Manuel Rodrigues, Presidente da Balflora – Secretariado dos Baldios do Distrito de Viseu e membro do DORV e do Comité Central do PCP:

Cumpre-se hoje mais um acto no programa de comemorações do Centenário de Álvaro Cunhal - uma sessão sobre o tema «Álvaro Cunhal e a Organização e a Luta dos Pequenos e Médios Agricultores e dos Compartes dos Baldios», com uma iniciativa em Moimenta da Beira, para a qual todos estais convidados.

Ligada a esta iniciativa e no precisa semana em que decorrem cinquenta anos sobre a morte de Aquilino Ribeiro (dia 27 de Maio de 1963) quis esta Comissão prestar homenagem ao escritor Aquilino Ribeiro, autor de Quando os Lobos Uivam, obra que viria a ser prefaciada por Álvaro Cunhal, em 1963. Prefácio esse, também ele magistral e uma marcante homenagem ao «escritor que escreveu sempre com amor pelo povo, inconformado com a opressão, a tirania, o arbítrio impostos a Portugal pela ditadura fascista».

Álvaro Cunhal que reconhecia em Aquilino Ribeiro um homem de coragem, que participou numa campanha em 1958 quando se encontrava preso já há 9 anos e havia terminado a pena a que fora condenado, apondo a sua assinatura num Apelo dos intelectuais portugueses protestando contra a ilegalidade em que se encontrava Álvaro Cunhal e exigindo a sua libertação.

Coragem que voltou a evidenciar ao escrever, o seu grande romance Quando os Lobos Uivam, pondo a sua «enxada», que é o mesmo que dizer, «a sua pena, o seu talento, a sua caneta de escritor ao «serviço da luta popular», transformando o velho estilista e prosador regional em romancista social, realista e revolucionário», intervindo na luta do seu povo e, desta forma, desferindo um ataque certeiro contra a ditadura fascista.

Coragem evidenciada no tema do magistral romance Quando Os Lobos Uivam, que retrata a luta das populações da simbólica serra dos Milhafres em defesa dos seus baldios, de que o Estado fascista se quer apoderar (verdadeiro roubo de terras aos camponeses) para realização do seu plano de repovoamento florestal. Mas, ao mesmo tempo, vigorosa denúncia do funcionamento do aparelho repressivo do fascismo, em especial dos tribunais especiais. Tão vigorosa que Álvaro Cunhal chega a afirmar que «nunca, num romance editado ilegalmente, se havia ousado atacar tão cruamente as mais sagradas instituições fascistas».

Acto de coragem cujas consequências cedo Aquilino Ribeiro viria a sentir: o regime tentou apreender os 9000 exemplares da primeira tiragem do romance (tarde demais porque só conseguiu apanhar 32 exemplares); mas conseguiu impedir uma 2ª edição e levantou um processo-crime a Aquilino Ribeiro acusado de:

  1. Instigar à prática de crimes contra a segurança do Estado;
  2. Atentar contra o prestígio do país no estrangeiro
  3. Ofender a honra de Salazar
  4. Ofender a honra da magistratura
  5. Ofender a PIDE, polícia política
  6. Praticar diversos delitos de imprensa

E só não foi julgado porque, entretanto, o escritor morreu, processo esse que foi reunido em livro pelo jornal «Portugal Democrático» de S. Paulo (Brasil) com o sugestivo título Quando os Lobos Julgam a Justiça Uiva, nova denúncia por parte da oposição antifascista em solidariedade e apoio a Aquilino Ribeiro.

A Comissão de Comemorações do Centenário de Álvaro Cunhal e a direcção do PCP prestam esta homenagem a Aquilino Ribeiro, associando-o desta forma ao Centenário de Álvaro Cunhal, pela sua luta, ao lado de muitos outros intelectuais democratas, que combateram a ditadura fascista e como autor desta obra imorredoira que deu uma relevante projecção à luta dos povos em defesa dos baldios contra o já referido processo repressivo de roubo dos seus bens pelo Estado fascista.

Luta de ontem, de hoje e de sempre, nesta gesta heroica que opõe grandes interesses económicos, as políticas de direita, muitas autarquias locais aos interesses dos pequenos e médios agricultores, dos compartes dos baldios, dos povos serranos, à necessidade de desenvolvimento económico-social das nossas aldeias.

Luta que viria a dar os seus frutos nas radiosas transformações do 25 de Abril, que através dos Decretos-Lei 39/76 e 40/76 de 19 de Janeiro e do texto da nova Constituição da República Portuguesa devolveram aos povos o uso, fruição e administração dos seus baldios.

Luta que os povos dos baldios e o seu movimento associativo – As Assembleias de Compartes e Conselhos Directivos os Secretariados e Associações, a CNA-Confederação Nacional da Agricultura – viriam a continuar resistindo a incontáveis tentativas de alteração à Lei dos Baldios por parte do PSD, CDS e PS, na Assembleia da República e aos boicotes, sonegação de apoios, conflitos por parte dos Governos e de muitas autarquias tendo sempre em vista o roubo destes bens aos seus legítimos donos.

Tinha razão Aquilino Ribeiro: «a serra foi dos serranos desde que o mundo é mundo, herdada de pais para filhos. Quem vier para no-la tirar connosco se há-de haver!»

Novas ameaças aos baldios pairam no horizonte. É hora de voltar a tocar os sinos a rebate.

E, neste combate, que a todos nos obriga a uma maior organização e disponibilidade para a luta, combatentes como Aquilino Ribeiro e Álvaro Cunhal são imprescindíveis.

São imprescindíveis, estão connosco.

Estão connosco e são imprescindíveis nesta nossa caminhada pró futuro