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À primeira vista e sem uma leitura atenta dos documentos que enformam este ponto da ordem de trabalhos ou fazendo fé nas declarações que têm sido produzidas pelos responsáveis do Executivo Municipal, a transformação dos “SMAS de Viseu” em Empresa Municipal “Águas de Viseu”, até poderá parecer uma simples e administrativa mudança de sigla, um qualquer fetiche de modernidade ligado à nomenclatura dos serviços de água e saneamento.

Aliás, a utilização intensiva e indevida desde há meses da designação “Águas de Viseu”, nos carros, nas facturas da água, na publicidade, faziam supor que se tinha processado uma pacífica mudança de “SMAS”, para um nome mais arejado e consentâneo com a propaganda oficial.

Puro engano. Trata-se, isso sim, de uma mudança radical do paradigma organizacional dos serviços de água e saneamento do município e do seu modelo de gestão, que abre caminho a uma futura privatização, total ou parcial deste “serviço público de carácter estrutural, essencial para o funcionamento do tecido social e económico”.

No volumoso estudo que as duas empresas consultoras, a SISAQUA, do grupo Consulgal e Excellence Pursuit, produziram para fundamentar a opção da maioria no Executivo Municipal sobre esta matéria, não se encontra nenhuma razão de fundo que sustente de forma clara e inequívoca ser a opção de constituição da Empresa Municipal para a gestão das águas e saneamento no Concelho de Viseu, melhor que a existência dos SMAS.

Bem pelo contrário. Sobre os SMAS, nomeadamente os de Viseu, refere a SISAQUA no seu relatório e cito: “Os serviços municipalizados, como os SMAS de Viseu, têm uma longa história de sucesso na administração pública portuguesa…”.

Quando os consultores elencam, diga-se em abono da verdade, sem convicção, os pontos fortes para a opção “empresa municipal”, facilmente constatamos que essas ditas “vantagens”, não o são de facto, porque integram já hoje a prática dos SMAS de Viseu. Senão vejamos: “Eficiência na gestão” – que melhor eficiência se pode exigir a um serviço, que cumpre as suas obrigações sociais com mérito e obtém consecutivamente resultados financeiros positivos no seu exercício? ”Facilidade de investimento” – o avultado financiamento alocado à construção em curso da ETAR Viseu Sul (mais de 46 milhões de euros), não é a demonstração inequívoca de que não é necessária qualquer “empresa” para obter financiamento? “Resposta elevada às necessidades das populações”. O Relatório de Gerência dos SMAS que analisamos em Abril último nesta Assembleia, concluía que a resposta já de si substancial no alargamento da rede de saneamento e abastecimento de água no Concelho podia ainda ser mais eficaz e abrangente se os resultados do exercício fossem totalmente afectados a esse objectivo. No que concerne à “qualidade da água servida às populações”, a autarquia encarregou-se de divulgar a excelência do SMAS para obter “Água de primeira, a dobrar”.

Segundo a SISAQUA, as vantagens da “empresa municipal” em relação ao SMAS residem, para além de “uma maior flexibilização na política de gestão de recursos humanos”, na possibilidade desta poder recuperar o IVA dos “incobráveis”. Mas também afirma, que a “empresa” terá de pagar IRC sobre os seus lucros, o que, só no exercício de 2014, corresponderia a mais de 200 mil euros. Se juntarmos ao pagamento de impostos os salários de dois administradores executivos (nos SMAS os administradores não recebem remunerações), com salário equivalente a um vereador a tempo inteiro (prevista no Artigo 8º, nº 2, dos Estatutos da AdV, E.M), feitas as contas, nem por essa razão se justifica alienar o actual modelo.

Então se não há vantagens palpáveis, “o que faz correr a Câmara” no sentido da criação da Empresa Águas de Viseu, E.M.? Razões político/ideológicas, sem dúvidas, que podemos encontrar no Decreto-Lei 92/2013, de 11 de Julho, referido na página 16 do estudo, que define a orientação do actual governo para a privatização directa do sector dos resíduos e a agregação do sector das águas para posterior concessão.

Sendo verdade que os SMAS não são uma empresa multimunicipal, ficando por isso fora do âmbito do referido Decreto-Lei, que dizer da apreciação do estudo, inserto na página 38, quando concluiu, e cito: “Outra vantagem da existência de empresas locais refere-se à maior facilidade de subcontratação de serviços e a adopção de estratégias de outsourcing, que permitem criar estruturas de custos mais flexíveis nas actividades municipais, o que não é possível conseguir no âmbito das Autarquias”.

Gato escondido com o rabo de fora. Não se privatiza formalmente, vão-se alienando serviços até inviabilizar a “empresa”. Chegados aí, invoca-se o Artigo 38º dos Estatutos da Águas de Viseu que referem textualmente: ”A alienação da totalidade ou parte do capital social da “Águas de Viseu” é deliberada sobre proposta da Câmara, pela Assembleia Municipal”. O número 3 do mesmo Artigo admite a possibilidade de dissolução da Empresa. Está tudo previsto. Não se privatiza já, mas deixam-se abertas todas as portas para que isso possa acontecer um dia. Impossível? Veja-se o que aconteceu na Covilhã. Empresa Municipal criada, não passou um ano sem que tivesse sido vendida aos franceses.

Por fim, a parte mais importante deste processo: o futuro dos actuais trabalhadores dos SMAS. De facto, a passagem dos SMAS a Empresa Municipal cria um mundo de incertezas aos trabalhadores em relação ao seu vínculo futuro, sabendo-se que as novas admissões perderão de imediato o vínculo público. Tal como os outros Grupos Municipais, recebi do STAL cópia de ofício endereçado à Presidência da Câmara Municipal de Viseu, onde se dá conta da reunião mantida por esta estrutura com o senhor Vice Presidente e das propostas que foram entregues nesse âmbito ao Município, nomeadamente o Protocolo de Entendimento e o Acordo de Cedência de Interesse Público.

Melhor do que ninguém o STAL saberá e poderá defender os direitos dos trabalhadores dos SMAS que a Câmara quer transferir para a Empresa Águas de Viseu. Questiono por isso o Senhor Presidente da Câmara sobre que resposta pretende dar aos documentos apresentados pelo STAL?

Tanto quanto sei, até ao início desta Assembleia, ainda não havia nenhuma resposta. Sendo que o STAL invoca a Lei para salvaguardar os interesses dos trabalhadores, é necessário protocolar entre as partes questões essenciais como a recepção pela Empresa de todos os trabalhadores que o desejarem independentemente do tipo ou duração do vínculo. A consagração para todos os trabalhadores do vínculo público. Consagração do princípio que, em caso de dissolução da “Empresa” o município assegurará a integração dos trabalhadores de regime de contrato individual de trabalho que o desejarem. Consagração para todos os trabalhadores do vínculo público e do princípio geral da manutenção de direitos.

Para concluir, a CDU, reconhecendo à Câmara Municipal legitimidade para a constituição da “Empresa Águas de Viseu” e para a extinção dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento, vulgo SMAS, existentes, entende que tal alteração não serve nem os interesses do Município, nem os dos trabalhadores dos SMAS e muito menos os dos munícipes, por conter os ingredientes que poderão levar à privatização deste sector público, o que a acontecer porá em causa o princípio da universalidade no acesso, a equidade nos tarifários aplicados, o direito humano à água e ao saneamento como bens públicos. O nosso voto será, sem qualquer hesitação, contra.

Viseu, 29/06/2015

A Eleita da CDU
Filomena Pires