Recentemente fui confrontada com duas situações que guardei por serem pessoalmente marcantes e que trago aqui no dia em que se celebra o Dia Internacional da Criança no nosso país.

A primeira é o desabafo de uma colega, professora desempregada, com 32 anos. Dizia-me que o seu tempo de ser mãe lhe fugia entre os dias desempregados que vivia, o relógio biológico não pára, as condições precárias de sobrevivência perduram, a esperança de concretizar um desejo pessoal não tem horizonte para ser.

A segunda, também colega de profissão, também precária nos contratos internitentes que consegue assinar, vive uma situação impensável: fez 10 anos de descontos como trabalhadora do Ministério da Educação e é agora mãe em licença de maternidade, sem direito a subsídio de maternidade ou de desemprego, contratada numa escola mas sem direito a salário. Tudo rigorosamente legal! Dizer ainda que esta mulher, e repito MULHER, foi preterida numa contratação por se encontrar visivelmente grávida, num país dito civilizado, onde a igualdade está consagrada na lei fundamental, operacionalizada em planos para a igualdade e em leis que o próprio estado não cumpre.

Poderia falar ainda de toda uma geração de jovens que trabalham a recibo verde sem qualquer direito consagrado no que respeita à parentalidade: nem licença de maternidade, nem licença de parentalidade, nem subsídio de natureza nenhuma, sem direito a faltar para acompanhamento dos filhos, sem direito a horas para amamentar ou aleitar, SEM DIREITOS, quantas vezes contratados à hora ou à semana, desconhecendo o valor da remuneração que não sabem se irão auferir.

Poderia ainda falar do exército de jovens portugueses desempregados que já não sonham ser pais, que ainda habitam a casa dos seus próprios pais onde a autonomia não se inscreve, onde a esperança esmorece a cada dia que passa, ou dos 25 mil especializados que saíram para fora do país.

 

 

Hoje comemora-se o Dia Internacional da Criança. Comemoração feita de consumismo e festa, muita alegria para as crianças, mas também de hipocrisia e demagogia política. Os nossos governantes tudo farão para enaltecer as crianças e desviar a atenção das políticas nefastas que praticam. Outras hipocrisias ganharão visibilidade: já hoje vimos a Sª dos bifes na TV e o ministro da lambreta que agora anda de audi. Foi também notícia a obesidade e o consumo excessivo de sobremesas doces mas não se falou ainda da sopa dos pobres.

O que é verdade é que a austeridade está a aumentar os riscos de pobreza e exclusão social, os maus tratos e a negligência, a exploração sexual e o tráfico de crianças e menores, o insucesso e o abandono escolar. Segundo os dados oficiais, em 2013, mais de meio milhão de crianças portuguesas estão em risco de pobreza ou exclusão social, 28,6%! Uma enorme agressão aos Direitos Humanos a que Portugal está vinculado, uma desumanidade sem perdão num país que oferece de mão beijada milhões e milhões de euros aos ávidos especuladores financeiros, autênticos lobos esfaimados.

Quando a natalidade está, por razões óbvias, a decrescer, decretando a morte a prazo da nossa sociedade, onde o fosso das desigualdades sociais não cessa de aumentar, diminui cada vez mais a protecção social. É o abono de família que é reduzido ou mesmo retirado, tal como acontece com o Rendimento de Inserção Social. É diminuída a débil rede nacional pública de creches e infantários e outros equipamentos sociais, é estrangulado o financiamento das autarquias e da generalidade das IPSSs, provocando políticas governamentais que causam maior fragilização na sua capacidade de resposta às necessidades das crianças e das famílias, ainda mais quando se trata de crianças especiais, portadoras de deficiência.

José Seguro fala hoje em 40% de inquiridos que revelam que no último mês, pelo menos um dia, não comeram qualquer refeição. Onde tem estado Sr. José? O que tem feito para que isso não aconteça?

Passos Coelho, vem hoje dizer que “temos que fazer pela vida”. Pois temos mesmo Sr. Primeiro-ministro, temos que fazer pela vida, correndo com políticos desumanos para fora dos cargos de decisão política, seja em S. Bento ou no Palácio de Belém. Temos que fazer pela vida, coisa que o senhor não sabe fazer, pois a sua vida não lho ensinou. Temos de fazer pela vida correndo com quem apenas desfaz a vida de quem trabalha ou vive de uma parca pensão, de quem vive cada vez mais precário, mais escravo, mais angustiado perante a incerteza dos dias futuros. Contra um país cada vez mais individado temos mesmo que fazer pela vida!

Por isso apelamos a que estejamos  unidos em todos os protestos que venham a ocorrer: a luta dos professores na defesa da escola pública, a luta dos funcionários públicos em defesa dos serviços públicos, as greves agendadas, e todas as lutas, que venham a existir. Porque há alternativas, porque o caminho da austeridade não é sentido único!

Filomena Pires